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sábado, 10 de agosto de 2013

BENVENUTO CELLINI - Por Nicéas Romeo Zanchett



BENVENUTO CELLINI 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                    A estranha e legendária figura de Benvenuto Cellini, chegou até nós em esplêndida e sincera autobiografia, mas sempre permanecerá como um símbolo da atribulada época em que viveu.  Seu talento artístico legou ao mundo grandes obras escultóricas. Mas existe outra lado desse grande artista que poucos conhecem. 
                    Era muito briguento, grande espadachim, boêmio, aventureiro, cheio de vícios. Contudo, graças á sua genial arte, em que punha seu incomparável talento, tudo lhe foi perdoado.
                    Nasceu em Florença a 03 de Novembro de 1.500 e nesta mesma cidade, faleceu em 13 de Fevereiro de 1571. Seu pai, Giovanni Cellini,  era proprietário de terras rurais, construía e tocava instrumento musicais. 
                    " Senhor Michelagnolo Bandinelli , este é um dos meus filhos; pequeno, como o vê, mas desenha maravilhosamente e gostaria muito que lhe ensinasse um pouco de sua arte. Na verdade, ele toca pífaro tão bem que desejaria fazer dele um músico; mas parece que a sua preferência  é para esculpir e borrar papéis...." 
                    Foi com estas palavras proferidas por seu pai que Benvenuto Cellini entrou no atelier do Maestro Michelagnolo onde começou a trabalhar de buril e agravar pedras preciosas. Aos poucos foi se tornando senhor de todos os segredos da profissão; ninguém possuía olho tão experiente em pesar safiras e esmeraldas, nem a mão tão leve para lidar com ouro como aquele adolescente florentino de olhar atrevido e engenho afiado como a lâmina de uma espada. Mas, era tão ágil com amente quanto com a língua  e com a mão; era briguento e seu punhal facilmente saltava da bainha por qualquer ninharia, por um gracejo, ou por um simples olhar que não lhe agradasse. Como era previsto, um certo dia suscitou tamanho alvoroço de gritos e pauladas, que foi obrigado, para não ser preso, fugir de Florença para Roma. 
                   Naquela época a Corte do papa Clemente VII chamava para junto de si todos os bons artistas e literatos da Itália. Com apenas vinte e três anos, Benvenuto Cellini, recebeu a primeira encomenda e fabricou um par de brincos, que provocaram infinitos aplausos, como também uma grande quantidade de inveja pelo seu talento. 
                   Como astuto florentino que era, tinha ótimo trânsito entre os senhores arrogantes e vingativos, colegas manhosos e pérfidos; infiltrava-se habilmente nas intrigas e nos mexericos da corte; tornou-se amigo de pintores como Guido Romano, Sebastiano del Piombo, Francesco Bacchiacca e com eles perambulava noite e dia  pelas ruas da cidade banqueteando e duelando; era um hábil espadachim e, portanto, muito respeitado. 
                   Com a deflagração da guerra entre  a França e a Espanha, após haver devastado a Itália, aproximava-se de Roma. Certa manhã, o alarma difundiu-se subitamente: "Eles estão aqui, sob as muralhas, já entraram!"  Toda a população armou-se, pois já os primeiros lansquenetes irrompiam pelas ruas, ávidos de saque.  Benvenuto, corajosamente, abriu caminho por entre a multidão apavorada, juntou-se a um grupo, refugiando-se no Castelo  Santo Ângelo, armou-se e da torre certeiramente disparava suas espingardas e carabinas; segundo suas palavras, com seu arcabuz matou o Condestável de Borbão, comandante dos invasores. 
                   A luta durou cerca de um mês e, durante esse tempo, o bombardeiro Benvenuto Cellini fulminava as trincheiras inimigas com suas "columbrinas" e seus "falconetti" (espingardas), estrategicamente colocadas nas torres do Castelo Santo Ângelo. Mas, em segredo, procurava também fundir o ouro do pontifício para poder ocultá-lo e assim protegê-lo dos invasores. Este fato, que mais tarde foi usado para caluniá-lo,  aconteceu em 1527, quando tinha poco mais de 26 anos de idade. Entusiasmado com esse eletrizante exercício, foi tentado a tornar-se soldado errante. 
                    Depois de saquearem a cidade, os invasores retiraram-se; Benvenuto, abandonando o rude manejo das armas, voltou a cinzelar vasos e a cunhar moedas, naquele seu atelier, que já era o primeiro da Itália. 
                    Viver entre os poderosos, que por uma calúnia ou um pequeno rancor eram capazes de matar ou envenenar qualquer pessoa, não era muito fácil naquela época; como era de se esperar, Benvenuto granjeara muitos inimigos,  e estes tanto sopraram aos ouvidos do Papa Paulo II (que sucedera Clemente VII), que, um belo dia, foi preso por esbirros armados e atirado ao calabouço, sob acusação de haver roubado ouro e jóias dos cofres pontifícios, durante o saque de Roma.  
                    Na cela do Castelo Santo Ângelo, Benvenuto tinha como companheiro  alguns guardas e um castelão desequilibrado, que muitas vezes se julgava um morcego. Ali, sentindo-se injustiçado, gritava, ameaçava, protestava sua inocência, mas o único resultado que obteve foi ser vigiado ainda mais severamente. Pouco a pouco, em sua mente, foi tomando forma um plano de fuga. 
                    Com um par de tesouras roubadas de um servente, desatarraxou, um após outro, os pregos da porta de sua cela, imitando com cera de limalha as cabeças que ficavam salientes; uma bela noite, fez uma corda de lençóis que rasgara, abriu vagarosamente sua porta com o auxílio de uma adaga, e deslizou pelos corredores escuros e desertos. A parede externa era muito alta, mas o fugitivo, utilizando-se de sua corda  improvisada, fechou os olhos e deixou-se cair. 
                   Sua fuga não teve sucesso e logo foi agarrado e levado novamente ao cárcere; com muita alegria, foi recebido pelo louco castelão, que o trancou na cela mais úmida e imunda que havia, onde enlanguesceu durante muitos meses. Em constante luta contra doenças e a tristeza, maltratado pelos guardas e sempre em perigo iminente de ser morto a qualquer momento (conta-se que tentaram matá-lo, dando-lhe comida com diamante triturado). 
                   Finalmente, já bastante fraco, chegou o dia de sua libertação. Benvenuto, já farto das tramas e traições das cortes italianas, foi embora para a França. Ali ficou a serviço do rei Francisco I. Recebido como um fidalgo, com farta provisão e casa própria, o valentão, afinal, viu que apreciavam e davam valor à sua arte e passou a fabricar estátuas de prata e a montar rubis e brilhantes, com redobrado ardor. Mas, também aqui não tardaram a surgir aventuras, duelos e pauladas. Sorte dele que o rei, homem jovial e ousado, sempre fechava os olhos ante suas escapadas e não se cansava de admirar seus talentos. Foi nessa época que criou o famoso saleiro de ouro, de inestimável valor, que cinzelara para o soberano e ainda se conserva em Paris. 

                 Como era natural, com seu orgulho (aliás, bem justificado), o nosso agitado artista ia, aos poucos, criando um ambiente hostil em torno de si, tanto na corte como entre seus colegas de profissão; por isso e também devido à saudade de sua terra, poucos anos depois, Benvenuto  regressou a Florença, onde passou a trabalhar para o Duque Cosme dei Médici. Aqui ele pretendia executar sua obra prima, que desde muito tempo torturava sua mente, isto é, uma estátua de Perseu, que iria figurar na Loggia dei Lanzi, na maior praça da cidade. 

                 Com muita dedicação, esculpiu a obra que, por longo tempo imaginara. Chegado o tão esperado dia da fusão, a agitação lhe provocou forte febre; por isso, depois de deixar tudo preparado e os ajudantes cuidando do fogo, foi deitar-se  um pouco para descansar. Enquanto descansava, atormentado pela ansiedade e pela doença, eis que entra em seu quarto um homenzinho aleijado,  que mais parecia ter saído de um pesadelo, e lhe anunciou, com voz estrídula: 
                  - Ó, Benvenuto, tua obra foi irremediavelmente perdida!
                  Foi como se tivesse recebido uma chicoteada, o artista saltou da cama, vestiu-se às pressas, e correu para a fornalha, onde viu o fogo quase apagado, uma enorme fumaceira e todos os seus ajudantes, lívidos, junto ao caldeirão, em que o metal já se ia coagulando. Benvenuto parecia um demônio enfurecido; mandou reanimar imediatamente as chamas, apanhou todos os pratos de estanho e atirou-os na caldeira, para diluir o metal, até que, com enorme estrondo, a tampa do forno saltou para o ar e o bronze escorreu, fluído e brilhante, ótimo para preencher o molde. 
                    A estátua de Perseu foi sua última grande tarefa, ao menos de que se tem notícia em suas memórias. Embora sua produção tenha sido imensa, bem pouco, infelizmente, chegou até os nossos dias. 
                    Sua autobiografia, escrita aos sessenta anos, permanece na mais arguta e cintilante prosa que se pode imaginar. Sua história é testemunha atualíssima de uma época que figura entre as mais esplendorosas da Itália e do gênio impulsivo desse incomparável artista. 
                    Como muitos o denominaram, Benvenuto Cellini, pode muito bem ser considerado um tipico italiano do século XVI. Amado e procurado por poderosos, tais como o Papa Clemente VII, o rei Francisco I de França, os nobres florentinos da magnifica corte dos Médicis. 
                    O inveterado aventureiro, por amar a vida, a arte, a luta, a natureza em todas as suas manifestações, fazia falar de si constantemente. Com a mesma facilidade com que criava em torno de si  amigos e admiradores, fazia surgir  acérrimos inimigos, na maior parte invejosos de seu incomensurável talento. 
                     Íntimo de príncipes, reis e papas, poderia ter enriquecido, casado com alguma nobre dama de seu tempo, mas preferia a vida desregrada, a aventura, daí as vicissitudes e perigos que o cercavam. 
                     Muitas vezes foi chamado de cínico, devido ao realismo que imprimiu em suas "Memórias".  
                     Como gravador e cinzelador, porém, ainda não foi igualado, embora poucos de seus trabalhos tenham chegado salvos até nossos dias. Escreveu, ainda, diversos tratados sobre sua arte. 

                     Como era natural, inspirou escritores e compositores, que escreveram obras primas sobre sua agitada existência, destacando-se, entre outras, a ópera de autoria de Heitor Berlioz, com libreto de León de Wailly e Augusto Barbier, em dois atos, representada na Ópera de Paris, em 3 de setembro de 1838, e que assinalou a estréia do famoso maestro francês nesse gênero. Após várias representações na França, foi levada á cena em outros países da Europa, com relativo êxito. 
                     Outra Ópera, em quatro atos, de autoria de Eugênio Dias, foi apresentada, em 1880, sendo famosa sua ária "Da arte esplendor imortal..."
                     Como se vê, trata-se de um estranho personagem, que pode ser considerado um retrato fiel da época em que viveu; uma Itália turbulenta, onde proliferavam várias cortes e repúblicas, e surgiam artistas e espadachins que viviam intensamente, pois, geralmente, suas vidas corriam perigo e era preciso aproveitá-las ao máximo... 
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Nicéas Romeo Zanchett 
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